Há pouco mais de 60 anos, toda a área onde hoje é o bairro São João era uma fazenda de puro cerrado, pertencente à senhora Ana Maria de Jesus, conhecida como Sá Donana. “Era uma mulher muito guerreira, que ficou viúva por mais de 30 anos e, como os filhos já estavam casados, viveu sozinha na fazenda por muito tempo”, conta a neta Almira Maria da Silva Fernandes, que tinha seis anos de idade quando a avó faleceu.
Aos 72 anos, com ótima memória, Almira conta que, nessa época, ela morava com a mãe, Dona Maria do Zico, na fazenda da avó Donana, que havia adoecido. “A sede da fazenda ficava onde hoje é a Rua Antônio Machado de Andrade, perto do antigo Cras. Era um chalé, com uma porta e uma janela na frente, uma escadaria de cinco degraus na entrada. Tinha um flamboyant ao lado da casa e um curral na frente. O povo vinha a cavalo das roças e alugava os pastos por uma noite, três dias, uma semana. Naquela época não tinha aposentadoria, e minha avó ganhava um dinheirinho com esses aluguéis”, recorda Almira.
Ela destaca que o nome do bairro é também em homenagem ao seu avô, João Ribeiro de Carvalho. “Era um homão alto e gordo. Já minha avó era descendente de índios, magrinha e muito forte. Gostava de ficar agachada, de cócoras, em cima do assento do fogão à lenha. Acendia um foguinho e ficava horas ali. Como o povo antigo, tinha o costume de arear os dentes com fumo e cinza”, destaca.
Repassando uma história ouvida de sua mãe, ela também conta que Seu João e Donana eram de Pompéu e compraram muitas terras em Abaeté. “Como não tinha caminhão nem nada para fazer a mudança, eles arrumaram três carros de bois e alguns peões para tocar o gado. Mamãe tinha 15 anos e montou num cavalo pra ajudar nessa empreitada. Nessa viagem, que durou três dias, ela conheceu meu pai, que era seu primo primeiro e também estava na comitiva. Pouco tempo depois, começaram a namorar e se casaram. Tiveram 14 filhos e 8 morreram. Minha mãe também sempre foi muito guerreira. Estava grávida de mim quando meu pai morreu. Ficou um tempo sozinha com os filhos em outra fazenda, a uns 13 quilômetros de Abaeté. Quando minha avó adoeceu, alugou essas terras e veio cuidar dela”, historia Almira.
Com a morte de Sá Donana, os filhos lotearam a fazenda. Dona Maria do Zico ficou com a sede, onde morou por muitos anos, até comprar uma casa no centro da cidade. “Era um cercadão no meio do cerrado. Como era muito longe de tudo, ela me pôs pra estudar internada no Colégio das Irmãs, desde os sete anos de idade. Fui da primeira turma do internato e fiquei ali até tirar o terceiro ano normal. Uma vez por mês, eu passava o fim de semana em casa. Não tinha luz, nem água no bairro São João. Quem morava nas adjacências lavava roupa e pegava água no ‘buracão’, onde tinha várias minas e o prefeito da época fez uma lavanderia”, recorda Almira, que, infelizmente, não tem nenhuma foto dos avós, nem da velha fazenda. “Chegaram a tirar um retrato do meu avô no caixão, como era costume da época, mas não sei onde está e não gosto disso não”, diz
A região com o maior número de guardas de Congado de Abaeté
Um dos primeiros moradores do Bairro São João foi o Sr. Gelomé Soares de Abreu, 84 anos, que se mudou para Abaeté quando tinha 16 e logo foi para o novo loteamento. “Quando mudamos para cá, só existiam seis casas. Nessa época, moravam aqui as famílias de D. Maria do Zico, Zé Pedreiro, Sô Mário, Maria Tuta e Luís Cristiano. A cidade era toda da Joaquina do Pompéu para baixo. Aqui em cima era só cerrado, lugar da gente soltar boi. Nessa época, tinha poucas festas e muito serviço na cidade pra todo mundo”, recorda ele, que reside hoje no Bela Vista, bairro vizinho.
Ao lado de alguns dos oito filhos e 13 netos, Seu Gelomé se prepara para participar da 53ª Festa de Nossa Senhora do Rosário, na guarda “Rosas de Ouro”, que fundou há 30 anos, para ajudar a pagar uma promessa pela recuperação da saúde de seu filho. “Neném (Ivanir) ficou 20 dias internado no Hospital São João de Deus, em Belo Horizonte. Toda noite, o médico falava que ele não ia amanhecer vivo. Uma vizinha nossa fez uma promessa à Nossa Senhora que, se o menino sarasse, seria dançante de Congada por toda a vida”, explica.

Rosas de Ouro, uma guarda familiar, iniciada há 30 anos por Seu Gelomé para pagar uma promessa feita por uma vizinha pela recuperação da saúde do filho Neném e fortalecida pelas novas gerações das capitãs Maria Eduarda (foto acima – à esquerda, ao lado da mãe, tio e avô), Laura Caroline e Rafaela (à direita).
Quando sarou, sempre acompanhado pelo pai, Ivanir passou por duas guardas, mas não se identificou com nenhuma. “Com seis anos, ele começou a brincar na porta de casa, batendo em uma caixeta de sabão, foi ajuntando menino… Mesmo sem um instrumento, a turma foi chamada pela Marta do Zé Doido pra dançar na Igreja de Santo Antônio. O Nego do Jader viu e me disse para passar na loja no dia seguinte, que ele ia me dar um pandeiro. Seu Geraldo Julião me emprestou uma caixa, o Zé Lino, irmão dele, trazia a sanfona e tocava pra gente. Depois, aos poucos, eu fui comprando os instrumentos”, historia Seu Gelomé, ao lado dos filhos Ivanir e Íris e da neta Maria Eduarda, de 11 anos, atual capitã do terno.
A grande maioria dos 45 integrantes da guarda é da família, e o nome “Rosas de Ouro” é em referência às rosas ofertadas a Nossa Senhora em agradecimento a tantas graças alcançadas. Outro motivo é que, com exceção do Sr. Gelomé e dos músicos, todas as dançantes são mulheres. “Eu amo o congado e danço desde que estava na barriga da minha mãe. Pra mim, congado é alegria, sinônimo de festa. E o objetivo principal é agradecer as bênçãos que recebemos todos os dias”, destaca a jovem capitã, aluna do 6º ano da E. E. Frederico Zacarias.
Além do Rosas de Ouro e Divino Espírito Santo, a região do Bairro São João é sede dos ternos Catupé do Pandeiro, Congo Penacho, Estrela da Guia, Moçambique Raiz de São Benedito, Congo Real Mirim de São Benedito, Filhos de Maria, Catupé do Tamborim e Catupé do Rosário.
Vilas Familiares: garantindo a convivência bem aconchegante no bairro São João
Algo tradicional no bairro São João são as pequenas vilas formadas em um grande lote ou dois lotes vizinhos, onde as famílias permanecem juntas, mesmo após os filhos terem se casado e constituído suas próprias famílias.
É o caso de Arilma Antônia Gomes, mais conhecida como Bete. No mesmo lote, ela vive em uma casa com seus quatro filhos; sua mãe em outra e a irmã, Cristina, com os filhos e marido numa terceira residência. Já o outro irmão, Ari, mora com a família na esquina. “No São João tem muito isso. Por questões financeiras ou não, muitas pessoas logo dão um jeitinho de colocar todo mundo em volta. A mãe é igual galinha quando vem os pintinhos, sempre dá um jeito de colocar todo mundo ao redor”, brinca Bete.
Para ela, morar dessa forma é bom demais, assim como a vida no bairro. “Gosto daqui, a gente vive bem, graças a Deus. Moro pertinho da lavanderia, quase de lado com a escola, de frente com a praça que tem academia e atrás da minha casa tem o PSF. O problema que tem, acho que é geral, é a falta de segurança e de serviço para o povo”, lamenta.
A vila familiar é também a sede de duas guardas de congado: Moçambique Raiz de São Benedito, dirigida por Bete, e Congo Mirim de São Benedito, por Cristina.
Próximo dali, Dona Maria Mércia Pereira, de 77 anos, também vive rodeada pelos filhos, netos e bisnetos, no lote de sua casa, onde criou toda a família. “Sou mãe de 10, mas perdi uma. Os filhos iam casando e fazendo seu barracão por aqui mesmo, até terem condições de comprar um lote e construir a casinha deles. Aí, eu colocava outros que estavam precisando no lugar”, explica.
Hoje, são cinco famílias morando no mesmo lote. Dentre os familiares, alguns dos 24 netos e 25 bisnetos. “Acho muito bom. Agora estou querendo ganhar é uma tataraneta”, avisa.
Dona Maria conta que, quando se mudou para o bairro São João, há mais de 40 anos, era tudo muito diferente. “Aqui não havia casas, era muito mato e os meninos até buscavam lenha. Comprei esse lote com dois cômodos, fiquei viúva cedo e morei muito tempo assim com os filhos, todo mundo apertadinho. Depois que as casas foram aumentando. Hoje, está bom demais!”, historia.
Uma curiosidade ali é a presença de um altar no muro de entrada. Uma das moradoras, Naélia Aparecida, conta que tudo começou quando a mãe ganhou uma grande imagem de Nossa Senhora Aparecida e fez uma capelinha no fundo. Com a chegada de novas imagens de presente, ela resolveu transferir o altar para a frente da casa. “As pessoas passam aqui e fazem suas orações, colocam velas, muitos deixam dinheiro para pagar promessa. Dançantes param e beijam o santinho, rezam, cantam, louvam a Nossa Senhora. É um espaço muito abençoado. Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora Aparecida, a Sagrada Família, São Benedito, o Divino Espírito Santo, todos derramam muitas bênçãos na nossa família e em toda a cidade”, acredita Naélia.
Um povo de fé e espírito de união
É no início do Bairro São João que fica a igreja matriz da Paróquia do Bom Pastor, que está recebendo pintura da fachada externa, dentre os preparativos para a Festa de Nossa Senhora do Rosário. Nos fundos da igreja, o escritório paroquial e as salas de catequese estão em fase de acabamento. A participação da comunidade, não apenas desta região, mas de boa parte de Abaeté, tem sido fundamental em todo esse processo de reforma e construção, na avaliação do pároco, Padre Cássio.
Há quase seis anos na cidade, ele diz que tem um contato grande com os moradores do bairro São João, “um povo muito unido, de fé, perseverante nas coisas que tomam pra si. Percebo isso a nível de igreja e também nas campanhas, até a nível de caridade, para arrecadar alimentos, agasalhos. Interessante que, apesar de ser um bairro carente, muitos ajudam. Percebo muito desse espírito altruísta, de olhar para o outro, de gostar das coisas bem feitas. São pessoas de fé, de espírito de união”, observa.
Roberto Barbosa (Mamão)
Presidente da Associação de Moradores do Bairro São João
“Moro no Bairro São João desde que eu nasci, 46 anos, e em 2004 passei a liderar a associação de moradores. Ela tem tudo arrumadinho, as atas, a documentação, o lote, o barracão… mas está praticamente parada, sem fazer nenhuma reunião há muito tempo.
Quando estão precisando de alguma coisa no bairro, as pessoas me procuram, porque sabem que sou o presidente e eu corro atrás, sozinho. O povo está perdendo com isso, porque juntos, ganhamos o que queremos, temos força.
O São João é um bairro bom, grande, mas precisa de muitas coisas, principalmente de traçamento de ruas, porque são muito tampadas. Outro problema sério são as drogas. É capaz de ser o bairro que mais tem droga na cidade toda. É lá que tem a ‘cracolândia’, na divisa com o Bairro Bela Vista. É uma ruazinha cheia de mato, buracos, pedras mal arrumadas, conhecida como Beco dos Cabritos. Tem uns 15 metros de chão até chegar no beco. Quando chove, não dá pra passar lá. Tem que dar um jeito de acabar com essa ‘cracolândia’, porque essa região vai só crescendo, principalmente no bairro Bela Vista.”
Lazer saudável, barato e de qualidade no Clube da Caixa
Importante destaque do bairro São João, o Clube da Caixa conta com quadras de peteca e vôlei, campo de futebol society, piscinas adulto e infantil, parquinho, sauna, aulas de hidroginástica, natação e zumba, toboágua prestes a ser inaugurado, bar restaurante com almoço nos finais de semana e um aconchegante quiosque onde os associados podem se reunir para fazer churrasco, tomar cervejinha e assistir futebol.
O clube, que funciona de terça a domingo, foi construído há 20 anos e conta hoje com 170 famílias associadas. Segundo o diretor administrativo Márcio Antônio Andrade, isso só foi possível graças ao empenho de várias pessoas.
“Abaeté é privilegiada, porque, no interior de Minas, apenas oito cidades possuem um clube da APCEF (Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal). O pessoal do senhor Amado fez a doação do terreno, foram realizados eventos para angariar recursos e a diretoria estadual ajudou no início da construção. Nosso empenho é manter o clube funcionando, porque, além de um lazer saudável e barato, tem o lado social importante, pois mais de 80% dos frequentadores são do bairro”, analisa.
Segundo Márcio, o clube também realiza várias parcerias em prol da comunidade, com as escolas municipais Chico Cirilo e Senador Souza Viana, grupos da terceira idade e com o recém-criado Lions Luciano Alves de Souza. “Procuramos auxiliar a comunidade, principalmente o bairro São João, naquilo que é possível”, ressalta.
O clube também realiza bingos dançantes, forrós e outros eventos para a comunidade em geral, em promoções próprias ou através de parcerias. “Conseguimos melhorar bastante aqui e temos a ideia de crescer e oferecer mais serviços ainda”, finaliza Márcio, que tem como companheiros na diretoria Laércio Ribeiro Júnior, Carlos Camões Pereira e Fuedson Ricardo Campos Vieira.
Cerâmica Carlos Pereira
Uma das empresas referências no Bairro São João é a Cerâmica Carlos Pereira, que iniciou suas atividades em novembro de 1991. Dirigida atualmente pelo médico Dr. Wilson Carlos Pereira, a indústria foi construída na antiga Fazenda do Amado, na rua na Rua Idalina Maria de Jesus, e é conhecida também como “Cerâmica do Amado”.
*Publicado em Junho de 2018.